SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes derrubou decisão da Justiça do Rio de Janeiro que proibiu a revista Piauí de publicar reportagem sobre os desdobramentos do caso de acusação de assédio envolvendo o humorista Marcius Melhem, ex-diretor da TV Globo.
Em despacho de segunda-feira (31), Gilmar sustentou que “a liberdade de imprensa, essencial ao Estado democrático de Direito, é valor em permanente afirmação e concretização” e disse que “houve indevida censura judicial contra reportagem jornalística de relevante interesse público”.
O ministro cassou decisão de agosto de 2021 da juíza Tula Corrêa de Mello, da 20ª Vara Criminal da Justiça do Rio, que acatou um pedido de Melhem e determinou “a suspensão, pelo tempo que durarem as investigações, da publicação de matéria na revista Piauí ou seu respectivo site”.
A decisão determinava ainda que, em caso de descumprimento, haveria multa de R$ 500 mil e o recolhimento dos exemplares da revista nas bancas e remoção da reportagem do site.
Procurado pelo jornal Folha de S.Paulo na época, Melhem afirmou, em nota, que “não é verdade” que seus advogados tenham pedido à Justiça “para censurar uma reportagem da Piauí”.
A revista contestou a decisão no STF e agora obteve a medida que libera a publicação dos textos.
No entendimento de Gilmar Mendes, o despacho da juíza do Rio afrontou decisão do Supremo sobre o tema, “tendo em vista que a censura prévia limita o direito fundamental da liberdade de imprensa”.
Procurada pela reportagem, a Piauí diz que não irá comentar a decisão da corte.
De acordo com o repórter João Batista Jr, em relato publicado pela Piauí, no dia 5 de agosto, poucos dias antes da decisão da Justiça de proibir a publicação da reportagem, ele entrou em contato com a assessoria contratada por Melhem para lidar com as denúncias de assédio sexual.
“Contei as revelações que havia apurado e pedi uma entrevista com o humorista, ou seus advogados”, disse o repórter no texto.
Segundo ele, a assessoria pediu que as perguntas fossem enviadas por escrito. “Mandei seis questões e dei um prazo de cinco dias para receber as respostas.” No dia 10 de agosto, encerrado o prazo inicial, foi solicitado mais tempo ao repórter.
De acordo com o jornalista, porém, Melhem entrou na Justiça enquanto negociava mais tempo para responder à revista, pedindo que o veículo fosse submetido à censura prévia e, assim, impedido de publicar a reportagem em apuração.
A revista afirma que recebeu no dia 13 de agosto um email assinado pelos advogados Técio Lins e Silva e José Luis Oliveira Lima, no qual eles afirmavam que “em respeito ao sigilo decretado nos processos”, Melhem não poderia “responder aos questionamentos” da revista.
Melhem é acusado de assédio sexual e moral contra diversas funcionárias da TV Globo. O caso mais famoso é o que envolve a atriz Dani Calabresa. O humorista deixou a emissora alguns meses depois do início da repercussão.
A decisão da Justiça do Rio foi criticada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e por Paulo Zocci, vice-presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas).
A advogada Taís Borja Gasparian, que é especializada em liberdade de expressão, sustentou no recurso ao STF que “não há qualquer fundamento que impeça a veiculação de fatos pela imprensa” e que o jornalista “não tem dever de guarda das informações sob segredo de Justiça”.
Já Melhem, segundo a sentença do magistrado do STF, argumentou que “sofre linchamento midiático” e que o objetivo da revista seria “publicar informações obtidas ilegalmente e utilizar de vazamentos seletivos para a construção de uma narrativa acusatória e sensacionalista”.
No despacho, Gilmar ressaltou que o Supremo “vedou a censura prévia à atividade jornalística, tendo em vista a importância da liberdade de imprensa para a manutenção do regime democrático, sem prejuízo da possibilidade de controle judicial posterior de eventuais excessos ou atos dolosamente praticados”.
Além de cassar a medida que proibia a veiculação do material, o magistrado derrubou as multas por eventual descumprimento da decisão.
Na nota enviada à Folha de S.Paulo em 2021, Melhem negou ter havido censura prévia e afirmou que o pedido “foi tão somente para que fosse apurado o vazamento de informações sigilosas” e para que ele pudesse se defender com as provas que tinha. “Não pedi segredo de Justiça em nenhum processo.”
De acordo com o texto do artista, a “Piauí, sim, pediu sigilo sobre um processo que movo contra a revista. Eu luto por transparência e verdade e, por mim, este processo não teria segredo algum. Seria aberto a qualquer jornalista. Mas sou obrigado a obedecer a Justiça, inclusive pelo sigilo pedido pela Piauí. Assim que for possível, virei a público mostrar a verdade. Piauí, suponho, não publicará”.
Ainda segundo o humorista, “o repórter João Batista alegou que fazia uma matéria sobre os ‘desdobramentos jurídicos’ do caso, apesar de não ter publicado uma linha sobre os 6 (seis) processos que abri após as mentiras publicadas. Como a investigação aberta no Ministério Público corre sob sigilo judicial, ele sabe que não posso comentar. Mesmo se tivesse acesso às minhas respostas e provas de minha inocência, João Batista não publicaria, pois algumas delas já vieram a público e foram cobertas amplamente pela imprensa -menos pela Piauí”.
O texto enviado por Melhem afirmou ainda que seus “advogados jamais pediram censura à revista”.
“Pedi tempo para responder porque tinha que consultar a juíza sobre quais fatos eu poderia mencionar em minha defesa, como mensagens trocadas com as supostas vítimas. A juíza tomou as medidas de preservação do sigilo que julgou necessárias e me manteve proibido de divulgar provas a meu favor.”
O CASO
O caso envolvendo as atrizes e Melhem explodiu em outubro de 2020, quando a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, publicou uma entrevista exclusiva em que a advogada Mayra Cotta, que representa oito mulheres, afirmou que elas foram vìtimas de assédio sexual. Até então, os rumores eram de que Calabresa tinha feito contra ele uma denúncia de assédio moral.
A jornalista da Folha de S.Paulo também ouviu, na época, quatro atrizes que se diziam vítimas de assédio e que tinham formalizado as acusações ao compliance da TV Globo.
Ouviu também o relato de cinco outras pessoas que afirmavam ter testemunhado os fatos narrados pelas vítimas. Em sua defesa, Melhem afirmou que pode ter sido um “homem tóxico”, mas sustentou que jamais teve “relação que não foi consensual” com outra mulher.
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